(Finally) VASALOPPET relato cor de rosa

HEJ MORA!

Sem tempo para esperar o trem peguei um aviãozinho para que pudesse chegar a tempo de escolher os esquis na própria quinta feira.

Chegar em Mora, e ver aquela paisagem sair da tela da tv para realidade foi qualquer coisa de emocionante.

Seis meses de visualização, sonhos, desejos, pesquisas, agora eram concretos. Eu fiquei tocada ao ver o famoso portal de chegada na cidade.

A ESTADIA

Mora é uma cidade de 20 mil habitantes; só na Vasaloppet 90 são 16 mil competidores, sem contar em todas as outras provas que acontecem na semana de inverno, ao longo dos 8 dias.

Os moradores disponibilizam quartos de suas casas para as pessoas ficarem. Estádios e escolas viram abrigo para centenas. Hotéis, casas, motor homes tudo lota.

Fiquei num quarto numa casa de um casal super simpático, nos outros quartos estavam um casal de suecos e um alemão; todos já tinham feito a prova, Rolf, o alemão seria sua 8a!

Annamia é sorrisos:

“Vai ser uma festa, você vai sentir a concentração de energia!”

PRÉ PROVA

Eu já tinha pré encomendado os esquis.

Tão estabanada que estava fui até a loja e esqueci as botas. Sorte que Evers, o taxista que ficou meu amigo, me levou de volta para pegar. Também me ajudou na loja na tradução Sueco – Inglês para a escolha certa do equipamento.

Um Madshus com um binding que é ajustável e dá para deixar o esqui com mais gripe ou menos gripe e mudar facilmente durante a prova me pareceu uma boa ideia. Fiz um teste rápido na neve e pronto, está decidido!

Eu ainda teria que treinar e me adaptar mas teria 90k para isso, não é mesmo?

Ao descobrir através de uma postagem no Instagram que ainda tinham inscrições para a prova de 10k que aconteceria no sábado, resolvi me inscrever. Usando de estratégia para driblar o estresse; uma vez que começasse a competir já tiraria a cabeça do pré prova.

Eu não me lembrava de sentir tanta ansiedade pré competição; talvez o fato de ser a primeira mulher brasileira a participar da Vasaloppet, ou o fato de correr pelo Ski na Rua e por todas as pessoas que contribuíram com a angariação de fundos para. Fiquei mesmo ansiosa.

“Embrace it!”

Estar na cidade com todo clima de competição, encontrar brasileiros (que iam competir outras provas e distâncias) me conectar com moradores locais que vibram com a tradição foi realmente especial!

DEZ QUILÔMETROS

Fui para os dez quilômetros feliz para a celebração de 100 anos de história.

Peguei o ônibus que nos levaria até Eldris. Sentei ao lado de uma Iraniana que mora há oito anos aqui; ela me conta mais sobre o povo, a cultura, e detalhes do percurso.

Eu me emociono.

Muitas pessoas estavam vestidas a rigor como nos primórdios da competição. Várias “Margit Nordin” a primeira mulher que encarou a Vasaloppet há 100 anos, esquiavam até com esquis e polés de madeira. Sensacional!

Até a largada estava ao meu favor, sem pressa ou pressão, era caminhar do ônibus até o ponto de partida vestir os esquis e partir, cada um no seu tempo.

Eu esquiei tão maravilhada, tão encantada com a paisagem, pessoas, vibração, natureza, que nem vi o tempo passar.

Me preocupei em manter o coração controlado para que isso fosse apenas, como a gente diz; “um treino de luxo.” que me deixasse ainda mais preparada para amanhã.

Razoavelmente adaptada com os novos esquis e poles segui me divertindo e brincando com as pessoas pelo percurso. Já chegou?

Com 47 minutos, quase 12k/h passei pelo portal, mais uma vez super emocionada!

O CENÁRIO

“O inverno foi todo tão bom, as condições estavam tão perfeitas semana passada; dez graus a menos do que agora e sol. Dá para acreditar?”

O comentário em casa era geral, mas como o que não tem remédio remediado está, eu brincava com eles dizendo que condições perfeitas não dão boas histórias.

“As pessoas querem desgraça. Tragédia é o que vende. Assim teremos mais história para contar.”

Vamos aos fatos; para dar para entender o que aconteceu nos noventa e dois quilômetros da Vasaloppet é preciso dar a visão panorâmica deles.

Sim vou começar dizendo tudo o que eu descobri DEPOIS da prova porque durante, não processei.

-Em termos de condição de neve e esqui, alguns dizem que foi a pior edição de sempre.

-Muitos veteranos (pessoas que fizeram mais de 30 edições) garantiram que foi a mais difícil.

-Annamia a sueca que estava em casa tinha um tempo de 7 horas de edição anterior, essa ela fez em 9h e 20.

-O Alemão também teve seu pior tempo de sempre de todas as oito edições que fez.

Essas condições (de guerra! rs) geraram uma energia de sofrimento emanada pelas 16 mil pessoas que eu, quando estava competindo, não conseguia entender porque minhas brincadeiras e interação não tinham respostas. Algo que só consegui processar após a linha de chegada.

A PROVA

Quando estávamos esperando o ônibus para ir para a largada e chovia (!!!) aquele chuvisco fininho e a humidade a top.

“Mas pensa bem, podia estar menos 20 graus!”

Realmente. Mia me fez pensar; um dos grandes fantasmas que fez parte do meu treinamento era o medo do frio. Se algo poderia me tirar da prova, sem dúvida, seriam as temperaturas muito negativas.

Tudo que eu não dormi de véspera dormi no ônibus para largada. Chegamos lá ainda escuro, ver aquela imensidão e uma multidão de pessoas, mais uma vez me trouxe o instante presente.

Flash!

“Seis meses de treino. Estou aqui na largada da prova mais tradicional de esqui Cross-country do mundo!” Lágrimas.

Era vencer lamaçal e a fila para entrar no corral 9, onde larguei. Quando entrei, já não tinha mais espaço nos trilhos para por os esquis.

Me posicionei na lateral fora da pista e fiquei enrolando ao máximo para tirar o meu casaco.

A chuvinha fina continuava, foi só ficar pronta para começar a tremer.

“Dizem que se você está com frio antes de começar é porque está com a roupa certa!”

“…ou é porque é brasileira!”

O senhor riu com a resposta e depois me deu ótimas dicas para que tomasse cuidado com meus poles e mantivesse los sempre próximo ao meu corpo, para que não fossem pisoteados e quebrados na primeira subida da prova. No grande engarrafamento.

“A largada é pontual?”

Sim.

Oito da manhã foi dado o arranque. A gente lá trás não ouvia grande coisa.

Foi divertido ir fora do trilho num começo tão tumultuado e cheio de gente, não deu nem para me empolgar muito porque com pouquíssimos minutos já tivemos que parar.

“Já conta com pelo menos 50 minutos que irá perder parada na primeira subida.”

Olla tinha razão; é algo indescritível a visão, ainda ali de baixo, da multidão de pessoas que colore a montanha é “Wow! Olha quanta gente!” Ali é perceptível que estamos cercados de 16 mil pessoas.

Tinha um cara com uma capa de “birthday king” eu fui brincando com ele e tentando conversar com pessoas que estavam em volta.

Depois que passou a primeira subida e a multidão começou a se dissolver foi um alívio esquiar.

Poucos metros a frente eu vejo a placa 89 k!

“Caramba 89 ainda?! O dia vai ser longo!”

Eu fui tentando fazer amigos e me comunicar com as pessoas, mas a energia estava completamente fechada. Com a vivência dos 10k no dia anterior eu ainda não conseguia entender porque as pessoas estavam pouco faladoras.

86 k visivelmente marcada em grandes placas, toda a quilometragem.

Quilômetro por quilômetro. Sério?

“Essa contagem decrescente ainda vai dar cabo da minha cabeça.”

Quando passei no primeiro ponto de água Smågan, resolvi olhar por desencargo quanto tempo antes do corte (eu achava que tinha muito #not) Desessete minutos.

Eu não me preocupei porque sabia que tinha perdido imenso tempo no congestionamento da primeira subida.

78k

Os quilômetros decrescentes me quebravam o psicológico! Misericórdia!

Seguia tentando comemorar a toda placa e terreno conquistado;

“Setenta e sete quilometroooooos!!”

Silêncio.

Sem retorno das pessoas que estavam por perto.

Quando não conseguia me conectar com as pessoas recorria a natureza. Me perdia na paisagem branca e em toda névoa e pouca visibilidade.

Me conectava também com a história vivida nos quilômetros que percorria e as tantas pessoas que passaram aqui.

“Pelos poderes de Margit Nordin!”

Invocava a primeira mulher que competiu a prova há cem anos.

Com pouco percorrido, descobri que eu tinha que ajustar a bota do o esqui para trás porque assim teria o menor contato possível com a neve / água. As condições de neve seguravam muito, a neve estava pesada e muito molhada.

Os trilhos desfeitos faziam com que as pessoas caíssem no plano! Eu caí 3 vezes na reta, que sensação ridiculamente engraçada. Nenhuma descida! As descidas eu brincava que era o “samba do crioulo doido” os esquis dançavam para onde queriam, tinha que tomar cuidado com as pistas desfeitas que levavam o esqui pela tangente. “Opa! Segura isso!”

Levei na minha cintura 1,5l de coca cola misturada com água (nas provas de endurance é o que funciona para mim! Santa experiência), um sanduíche, azeitonas, chocolate. Me preocupei muito em me manter hidratada mesmo sem grandes vontades de beber.

No segundo ponto de água comi um pãozinho que eles dão junto com bouillon uma sopinha salgada que transformava meu pão numa papa. Tudo para dentro! Aproveitei para ir ao banheiro também.

A famosa sopa de blueberry servida nos pontos de abastecimento foi algo que eu fiquei com medo de arriscar, algo que fiz somente no último ponto de hidratação. Óbvio que me arrependi haha porque era uma delícia!

Em Mångsbodarna perguntei sobre o corte e tive uma resposta tão tranquila;

“Não se preocupe você não vai pegar nenhum.” que daí em diante parei de me preocupar.

Com 40 e tantos quilômetros percebi que a minha quilometragem crescente não fechava a conta com a quilometragem decrescente sinalizada da prova.

“Ahhhh nãooo!!! São 92 quilômetros!” Poxa Vasaloppet custava deixar mais claro isso? Ao invés de arredondar ?!

Ali ainda faltavam mais quilômetros que o meu treino mais longo, mas os dois extras já estavam me quebrando por antecipação.

A bandeirinha do Brasil pendurada na minha cintura às vezes levantava algumas questões:

“Brasil?! Como é que você veio parar aqui?”

“Netflix!”

O uniforme colorido também fez muito sucesso, teve muitos elogios o que mais amei foi;

“Ainda bem que tenho o mesmo pace que você, pois só olhar para o seu uniforme me faz feliz.”

Os momentos felizes da prova pra mim eram os pontos de abastecimento porque lá, as pessoas vibravam torcida:

“Heja!!! Hejaaa!!!”

Então acabaram sendo pontos onde eu me abastecia; energia pro corpo e energia para alma.

E em alguns quando eu passei eles me anunciaram também.

“Luciana Cox, a brasileira!”

Quando faltavam uns 40 quilômetros ainda passava um snowmobile buzinando e atrás dele vinha o trator de neve, tentando refazer parte dos tracks. Era esperar o trator passar e entrar o mais rápido possível no track.

Que obviamente, com as condições, não durava muito.

Meu psicológico começou a melhorar quando faltavam 30 k.

Numa das interações que a bandeirinha do Brasil trazia:

“CARALHoooo! What a hard day!”

Hahahhaaha

Eu ria tanto com o palavrão do moleque que só respondendo com o mesmo entusiasmo.

“WHAT A HARD DAY!”

Escureceu.

“Leva lanterna.”

Felizmente segui o concelho da minha amiga alemã, e tinha comigo na pochete, uma headlamp, mas ainda na pegada de querer passar o último ponto de controle não peguei e esquiei alguns quilômetros no escuro.

Me divertindo com a experiencia de confiar nos trilhos, rezando e rindo nas descidas. Depois de mais de nove horas no mesmo cenário tava divertido curtir a escuridão.

No meio de tantos esquiadores sem luz nenhuma, chegou uma hora que achei melhor iluminar meu caminho.

É curioso pensar que a lanterna não é um item obrigatório (talvez porque os cortes de tempo te obrigam a chegar nos últimos dez quilômetros de prova relativamente antes de escurecer) A partir de Eldris o percurso todo é iluminado.

Eu achava que quando chegasse a Eldris seria o “home run” porque já tinha esquiado o trecho na véspera; mas o cenário noturno e às (in)condições da neve mudaram tudo totalmente.

Passei o último corte, como todos que passei; na fé, sem me preocupar em olhar o relógio. Descobri depois que os amigos que me seguiram no ao vivo, sofreram horrores! Eu ali, felizona sem imaginar a angústia de quem seguia online. 😂

No dia seguinte descobri ainda que os horários de corte foram prorrogados frente as dificuldades de progressão na neve enfrentada por todos os corredores. Disseram que só os primeiros 150 competidores pegaram condições boas para esquiar!

Antes mesmo de cruzar o portal de chegada escuto:

“Lu, você conseguiu!!!”

Era Thaís, a brasileira que eu conheci na véspera, que me esperava sob o pórtico com o calor de um país inteiro. Obrigada!

Meu sorriso largo se desfez em choro, de felicidade e também alívio. Os seis meses de aprendizado, de tombos, experiências, vivencias tinham ficado para trás. Passou um filme na minha cabeça.

Como a organização lembrou; agora sou parte da história, adiciono a minha vivência à milhões de outras vividas aqui!

A medalha comemorativa dos cem anos é linda e grande; proporcional à batalha que tivemos que enfrentar para merecê-la.

THANK YOU

Obrigada a todas as pessoas que fizeram parte desse projeto e do caminho Vasaloppet. Que torceram, contribuíram, vibraram. Ajudaram escrever uma linda história.

Obrigada Ski na Rua pela partilha de sonhos e histórias!

Obrigada amor pelo endosso, equilíbrio e evolução; pela partilha e transformação de conquistas individuais em conjuntas!

Obrigada Leandro Ribela pelo treinamento, disponibilidade, por partilhar uma de suas paixões e por acreditar que conseguiríamos, juntos, vencer o desafio! Sem você teria sido impossível!

OBRIGADA NETFLIX!

Venha a próxima!

RELATED POSTS

LEAVE A REPLY

@FLOWERPEOPLETEAM

COME WITH US!

PARTNERS