Sem muito saber onde eu estava me metendo me inscrevi na prova; eu precisava de quilometragem de treino, rodagem para dar volume para a maratona de janeiro, e treinar muitos quilómetros sozinha é mais difícil do que criar “um treino de luxo” como chama uma amiga minha a competição usada para treino.
Urban Trail Night Eurocidade. O nome da prova é tão “selva de pedra” e o video que eu tinha visto só aparecia asfalto que nem passou pela minha cabeça que poderia ser um Trail, só descobri depois de 650 metros de corrida quando tive que pular uma mureta e seguir no gramado. What?!
O que foi uma preocupação para mente “correr a noite em superfície irregular com o meu pé ainda em recuperação”, foi uma libertação para alma.
Ahhhh o trail! E enquanto eu ouvia “Hostia!” e “P Madre” exclamações da primeira subida pela grama para a muralha eu ria; inferno de uns, paraíso de outros.
Entrar no fosso da muralha de Valença correndo num zip zag, onde viam se todos os headlamps acesos, instantaneamente me remeteu a época medieval parecíamos guerreiros munidos de tochas, alinhados para uma invasão. Já perdi as contas de quantas vezes passei por Valença por causa dos Caminhos de Santiago, aqui que começa a nossa experiência a pé. Estar ali explorando os arredores da muralha dessa maneira foi espetacular. Foram quase 5 quilómetros às voltas no património, por fora e por dentro da Muralha. Passar na rua principal aos gritos da torcida, ou pelo túnel com musica. Divertido!
As vistas noturnas de Tui e da catedral iluminada do outro lado do rio também me fizeram sorrir. Vinham as subidas exclamadas “Hostia” ainda assim seguia ritmada, aumentava a cadencia diminuía a passada e siga para cima. Atravessei a ponte para Tui e ainda rodei pelo centro histórico e ali numa trombada dos que iam para os 8 k segui para direita. Metade ja foi.
O percurso desceu beirando o rio Minho e entrou num estradão de terra muito escuro. A mudança foi abrupta; de uma prova movimentada cheia de gente e barulho e na cidade, de repente estava no meio da noite escura ouvindo apenas os guizos nas minhas tranças. Corri sozinha pela escuridão guiada pela luz difusa e discreta do meu headlamp, conseguia ver o céu, as nuvens pouco claras. Que noite incrível!
Como podia estar ali tão sozinha? Às vezes ficava até receosa de não estar no caminho certo, mas aparecia uma fita perdida no meio da vegetação que beirava a estrada. Não eram refletoras então só sabia mesmo se estava no lugar certo quando quando estava em cima delas.
Me afastava cada vez mais de Tui, imaginei que iriam dividir a distancia que faltava numa reta que ia e que deveria voltar. No quilometro onze um sinalizado staff me indicava o caminho. “Gracias.” Segui a trilha e a luz da lanterna de instantes rapidamente devolveu me a escuridão.
Na prova tinham 500 atletas, a grande maioria espanhóis. Eu comecei a fazer cálculos, porque estar ali sozinha me parecia muito estranho. Será que 8 k / hora é um pace tão ruim assim? Ainda faltavam 3 quilómetros para os 16, ali eu já tinha 19 k nas pernas (sim porque meu treino começou 6 quilómetros antes da largada. Eu não tinha condições de mudar o pace, mesmo porque a essa altura já não faria a menor diferença, mas estava me sentido super bem no cardio, o esqueleto já reclamava um pouco.. Seguia rumo a Tui, via se a catedral iluminada a distancia, mas até lá ainda tinha um enorme vazio para preencher com passos. Uma senhora me alcançou e começou a seguir meu ritmo.
Quando já estávamos quase na cidade era preciso escalar uma pirâmide de rede (igualzinho as corridas de obstáculos) para continuar do outro lado. A senhora só reclamava nessa altura, enquanto as staffs que estavam ali tentavam incentiva la com o famoso “tá quase lá”, tratei de aproveitar o momento, que para mim era dos mais divertidos, e acelerar. Só parei no pórtico de chegada. 1H59 min de treino.
Toda feliz esperando uma medalha. “Medalha? Não há!”
Por mais que eu mentalizasse “Isso foi só um treino. Isso foi só um treino!” confesso que fiquei frustrada de não ter um metalzinho redondo para concretizar a conquista da Espanha.
Amei a prova; correr a noite, me aventurar em lugares que outrora muitos se aventuraram, patrimónios tão cheios de história beleza e atualmente, para mim; tão familiares, com tantas vivencias pessoais adicionadas. Caminhos de Santiago.
Depois vieram os resultados; dos 213 atleta dos 16 k eu fiquei em 208! Bem que eu estava achando que estava para trás, só não imaginava que fosse tanto.
Esses espanhóis correm rápido, não?!